Esta é uma história que nunca me contaram, pelo menos, não até o dia de hoje. Mas para toda história, sempre existe uma outra, ou outras... Agora, você vai conhecer a história contada pelo patinho bonito. Aquele que você só ficou sabendo que nasceu e que, depois de tanto tempo, resolve contar um pouco daquilo que aconteceu com ele. Começa mais ou menos assim:
A
mamãe pata escolheu direitinho um lugar para colocar seus preciosos ovos.
Aquele cantinho parecia bem tranquilo, longe dos perigos do bosque, cercado por
lindas flores e a vista... perfeita! Naquele lugar, ela aquecia seus dois ovos e
enquanto os chocava, era possível ouvir o som dos pássaros que cantavam
entusiasmados com a chegada da primavera e o som da água que corria límpida por
um riacho próximo ao recanto ensolarado.
Um
belo dia, as cascas dos ovos começam a se abrir e um a um os patinhos saem de
dentro dos ovos. Então, lá está ele, com um ar gracioso que só os mais belos
patos podem ter. Seus olhos brilham como faróis na noite escura, suas penugens,
apesar de ainda pequenas, tem um tom amarelado, quase dourado que lembra o ouro
mais precioso, seu andar é elegante, o patinho bonito nascia para a glória. Já
no segundo ovo algo errado acontece. Aquilo que acabara de nascer tinha um ar desajeitado
e sem graça, com seu jeito esquisito de andar e ruídos estranhos, talvez nem
fosse um pato. A mamãe, preocupada, tratou de levar seus recém-nascidos
filhotes para o riacho, obrigando-os a mergulhar. Quando viu que os dois nadavam
com naturalidade, logo se acalmou, e pensou que o outro era só um pato “feio”
mesmo, mas por que se preocupar se ao lado dele estava o patinho mais bonito
que ela já tinha visto, a sua beleza, com certeza, ofuscaria a feiura do seu
irmão e faria com que esse "erro" da natureza passasse despercebido.
Tranquilizada, a mamãe pata saiu
para passear com seus filhotes entre os outros animais. Como era de se esperar,
o patinho bonito foi o destaque:
- Como é bonito o seu bebê -
dizia a galinha.
- Que criatura mais encantadora -
confirmava a mamãe gansa.
Os porquinhos ficavam ao redor,
admirando tamanha beleza e em todos os cantos da fazenda os animais paravam e
apreciavam a passagem daquela criatura tão vistosa e querida.
Já o seu irmão, não tinha a mesma
sorte:
- Não é que não gostamos dele -
diziam os outros animais - É que ele é esquisito, tem um jeito grotesco de
andar, os sons que ele faz são estranhos, sem graça e sei lá... não é normal!
O patinho bonito não se importava
com o jeito estranho do seu irmão, mas de tanto os outros bichos falarem,
começou a sentir vergonha de andar ao lado de uma criatura assim... tão
diferente.
O
outro pato foi crescendo assim, só e malcuidado. Queria ficar com os outros
animais e ter muitos amigos como tinha o patinho bonito, mas ele nasceu feio e
seu castigo era ter como companheira a solidão. E, por estar só, teve que
aprender muitas coisas sozinho. Daqueles que queriam persegui-lo, aprendeu a
esquivar-se. Por não ter quem o elogiasse, aprendeu a não depender da aprovação
alheia para ser feliz. Por não ter quem lhe ajudasse, aprendeu a ser forte e
tentar novamente e, mais uma vez, até que descobrisse a maneira certa de
conquistar seus objetivos. Por não ter quem o amasse, aprendeu que era preciso
primeiro amar a si mesmo para depois ter amor para dar a alguém. O outro pato
decidiu sair e se aventurar pelo bosque. Desprezado que era, até por quem mais
amava, viver ou morrer era apenas uma questão de sorte.
O
tempo foi passando e o patinho bonito seguia sua vida, sempre cercado das
"melhores" companhias. Rodeado pelos bajuladores e avançando pelos
círculos sociais que estavam sempre bem-dispostos a receber alguém com tamanho
prestígio entre as várias redes de amizade que frequentava. Lá no fundo, apesar
de todo o glamour, algo o incomodava. Sentia falta de quando era criança e
junto com seu irmão davam várias gargalhadas antes de pegar no sono. A mamãe pata
sempre dizia:
-
Patinhos, já é tarde, amanhã vão perder a hora de ir para a escola.
Lembrava
de quantas vezes perguntava da lição de casa que não compreendera, mas que seu
irmão sabia "de cor e salteada". Lembrava de quantas vezes seu irmão
lhe dizia:
-
Não devemos usar nossas forças para nos aproveitar dos mais fracos, mas ajudar
os que estiverem ao nosso alcance.
Lembrou,
também, das vezes que sentia medo no caminho escuro e seu irmão segurava em uma
de suas asas e falava:
-
Estamos juntos e tudo que acontecer com você vai acontecer comigo.
Não
entendia por que a sua aparência era tão valorizada enquanto que a grandeza da
alma de seu irmão era invisível aos olhos daquela bicharada.
Naquele
momento sentiu uma tristeza imensa por ter se afastado do outro pato. Ele parou
e pensou: “Por que as pessoas precisam ser bonitas para serem amadas? Por que
eu não posso ter amizade com alguém que seja diferente? Por que todo mundo
precisa seguir o mesmo padrão?” E de por quês em por quês resolveu que deveria
procurar o seu irmão.
Não
faltou quem lhe dissesse que aquilo era desnecessário:
-
Está melhor aqui sem ele! - ouvia dos mais exaltados.
-
Ele só tem ideias diferentes, não precisamos dele aqui! - diziam os
incomodados.
Mesmo
assim, ele não desistiu e insistiu na ideia de ver o irmão. Muitos bichos se
irritaram, os porquinhos foram os primeiros que se afastaram.
E
lá foi ele, buscar pelo bosque seu irmão de quem há tanto tempo não tinha
notícias. No caminho, ficou sabendo que seu irmão passou perto de um brejo onde
viviam alguns marrecos, mas muitos deles haviam sido mortos por caçadores e ele
não encontrou nada. Depois disso, ouviu falar de uma velhinha que morava em uma
cabana e foi ver se teria notícias do outro pato. Chegando lá, encontrou um
gato bastante mal-humorado que disse:
-
Ah! Aquele pato? Nós o colocamos para correr daqui!
Logo
percebeu que não conseguiria muita coisa ali. Até que soube de uma notícia mais
segura. Um dos bichos que vivia no bosque lhe contou sobre um grande lago que congelava
no inverno, onde um camponês encontrou uma ave quase morta. Suas forças se
renovaram, mas quando ele chegou, lá seu irmão também não estava.
Já
sem esperanças de encontrar seu irmão e cansado pela longa caminhada,
sedento e com fome, o patinho bonito se aproxima de um tímido lago. Está
começando a primavera e a neve que derrete, molha os campos fazendo brotar
lindas flores e encher os riachos novamente de vida. Muitos pássaros voam e
aquecem suas asas ao calor do sol que brilha forte, esquentando todo o bosque.
Enquanto mata sua sede, o patinho bonito ouve um som familiar. Percebe que
alguém se aproxima por trás dele, devagarinho, talvez para não ser notado:
-
Irmão? É você? - ele ouve o sussurro por trás da relva seca.
Ao
se virar percebe que lá está ele.
-
IRMÃO! - gritam os dois patos que há muito tempo não se viam enquanto corriam
para dar um forte abraço um no outro. O outro pato estava lá.
Finalmente,
os dois haviam se encontrado. O outro pato, havia crescido e se tornado uma ave
adulta e forte. Continuava desengonçado, mas como sempre, agradável. Continuava
fazendo sons estranhos, mas como sempre, dando as melhores gargalhadas.
Continuava um pouco esquisito, mas como sempre, amigo, sempre amoroso,
sempre belo. O patinho bonito, que agora também era um pato grande e forte,
conseguiu perceber que não é necessário mudar para seguir padrões, precisamos
ser sinceros e honestos, conosco e com os outros. Seguir nossas vidas e ajudar
aqueles que estiverem ao nosso alcance. O patinho bonito aprendeu que a beleza
mais importante não pode ser vista com os olhos, somente o coração enxerga o
que é realmente necessário.
(20180519PTAEJ - Descontando Contos)
Clique aqui para ler a versão original da história de Hans Christian Andersen.
O trabalho O Patinho Bonito de Paulo de Tarso A. Ecard Junior está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em http://www.qdivertido.com.br - Contos, O Patinho Feio.